Fevereiro de Carnaval!
A família seguiu entusiasmada para a Cidade de Goiás: descobrir novas paragens, conhecer um extraordinário Patrimônio Mundial, passear por toda parte e experimentar a gastronomia local.
Há tempos a visita ao município de quase três séculos de existência integrava os planos de viagem daquele núcleo familiar.
Os dois filhos, meninos arteiros, ofegavam com o que prometia a ocasião. Adoravam gulodices e excitava o seu alento a fama de que na cidade havia muitas e célebres docerias.
Após a chegada da família à cidade e reconhecida a sua beleza, renovou-se o ânimo dos visitantes. Ali, tudo se mostrava como uma aquarela: ruas estreitas e harmoniosas, casario a evocar um passado desbravador, céu ao alcance das mãos.
A programação a dar conta da cidade era generosa: sobravam intenções, faltava ubiquidade, extenso era o elenco dos anseios.
Museus, exposições, bailes de Carnaval, artesanato, desfile de escolas de samba, visita a igrejas barrocas, a coretos antigos, a praças arborizadas e ao Mercado Municipal. Conhecer o Rio Vermelho e degustar a rica culinária local. Rever a história luso-brasileira do Goiás no Palácio Conde dos Arcos e apreciar a Cidade Patrimônio com a sua peculiar arquitetura. Tudo isso envolto em extraordinária beleza natural.
Os meninos eram frenesi e curiosidade! Perseguiam contentes as borboletas – muitas borboletas – de cores diversas, com predominância do amarelo.
O aroma da comida regional atraía quem circulava pelas ruas e praças. Era inevitável, além de divertido, buscar e surpreender-se com a simplicidade e simultâneo requinte dos restaurantes. Era essa a demanda predileta da família.
Inebriada com os perfumes e com a paisagem, a família se deparou com um restaurante muito distinto. Mesa posta, acolhimento intimista e deferente, refeição servida com zelo. Todos estavam radiantes.
O sol cintilava, mas o fazia por entre nuvens que tomavam a pouco e pouco o manto celeste. A suspeita era de que a chuva não se demoraria…
A presunção de chuva que se anunciava logo se confirmou e a carga d’água desabou torrencialmente. Ruas, calçadas, praças e gramados foram inundados pela dádiva celeste.
Desfrutando daquele espetáculo natural, os clientes permaneceram confortavelmente no restaurante a saborear os pratos ao preço de “pague e coma à vontade”.
Os meninos se reuniram com as demais crianças que por lá havia, prenunciando o que viria a ser o jogo. Na soleira que separa e une a vida a céu aberto, por um lado, e o aconchego do restaurante, por outro, quedaram-se extasiados a observar a chuva.
A festa teve início. A algazarra musical da criançada celebrava a natureza que escorria líquida do céu cinzento. Muita água soprada pela brisa e cadenciada pelo ecoar dos trovões.
Imaginação lúdica deu o tom da festa infantil.
Um dos meninos perguntou aos demais:
– Qual é o sabor da chuva?
Olharam-se surpresos, curiosos e interessados.
Surgiu a primeira mãozinha coletando as gotas de chuva e levando-as à boca.
Em grito de contentamento, anunciou:
– A chuva tem sabor de doce de mamão cristalizado!
Dúvida, curiosidade e disposição foi o que se viu nos rostinhos sapecas das outras crianças.
Não demorou para que um punhado de mãozinhas se elevassem a recolher as saborosas gotas pluviais, como pequenos tachos que se enchem de guloseimas.
Vozerio e sussurros pueris contagiaram os presentes: mães, avós, tias, tios, pais, avôs e demais empolgaram-se com o furor da criançada.
– Tem gosto de goiaba em caldas.
– Acreditem. Abacaxi com doce de leite. Açucaradinho…
– Ambrosia.
– Doce de carambola.
Os adultos, ora acreditando, ora desacreditando dos pequenos, decidiram verificar junto às crianças as impressões anunciadas. Quiçá um milagre da terra dos saborosos doces.
Agora eram muitas as mãos a captar a chuva que caía e tamanha a fertilidade da imaginação a explorar os seus sabores.
O céu da cidade transformara-se em quitanda, doceria bendita. Das alturas celestes e do íntimo dos corações das crianças a chuva era como um maná de sabor doce e envolvente.

… … …

Biografia: Ana Beatriz Carvalho: Escritora brasiliense, Normalista, Professora. Educadora com especialização em Direitos Humanos e mestrado em Políticas Públicas. Sua produção literária reúne contos, microcontos, cartas, crônicas, haicais, poemas e prosas poéticas. Vários de seus trabalhos foram selecionados para Antologias e Coletâneas. É membro das seguintes academias literárias: ALMUB/Brasília, AINTE/Fortaleza e ACL/Brasília. Participou da 26ª Bienal Internacional do Livro de SP e da Bienal do Rio 2023 como autora.. Idealizadora do Projeto Leitura que Liberta: seja Doador de um Livro, Projeto Mulher Feliz, Mulheres que apoiam Mulheres e co-autora do Projeto Leitura no Bosque. Premiada na categoria Melhor Biografia – I Prêmio Sapiens de Literatura Brasileira pela Editora Holandas. Autora dos livros Contos de uma Mulher Feliz: viver para crer que tudo é bom, belo e necessário e Viva a Vida!

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