Abriu os olhos ao acordar com um sorriso estampado na face. Naquele sábado realizar-se-ia a festa tão esperada por todos: o casamento do rapaz mais bonito da cidade. Ela estava radiante com a excelente oportunidade de usar o seu vestido novo.
Mais do que a celebração da união de um casal jovem, o evento transformara o humor, os diálogos e as preocupações da comunidade da região. Era uma raridade ocorrer festejo e igual porte naquela pequena cidade do norte do Piauí. Todos viviam a cerimônia do matrimônio antes mesmo de ser realizada.
Lugar de povo simples, as diversões eram correr atrás das borboletas, pular no riacho, imitar os passarinhos, ordenhar as vacas, juntar pedras de diferentes formatos e tamanhos e contar com a imaginação para criar jogos em parceria com a natureza. Tudo muito simples, mas de autenticidade irrefutável.
A menina levantou-se da cama no dia da festa esperada contando os segundos para usar o vestido que lhe fora oferecido por ocasião das doações feitas pela igreja ao povoado.
Fez o desjejum entusiasmada, imaginando-se a desfilar na rua com o seu encantador vestido de segunda-mão.
Decidiu estendê-lo no varal para que recebesse uma lufada de ar fresco e, concentrada na tarefa, ouviu a suave voz da tia que chamava no portão: “ô de casa!”
Como de costume, a menina correu ao encontro da tia para recepcioná-la com um abraço carinhoso.
— “Como está crescendo, minha sobrinha amada!”
— “Um dedinho para alcançá-la, minha tia querida!”
Abraçadas, dirigiram-se para o quintal. Lá chegando, a tia se viu imobilizada, tomada de fascínio pelo belo vestido pendente no varal.
— “Obra de arte! Como gostaria de ter um vestido como esse para o evento de hoje… não irei à festa. Não tenho o que vestir. Há muitos anos não compro roupas…”
A garota sensibilizou-se. Fixou a sua mirada nos olhos tristes da tia e reparou o que antes não tinha notado: a tia idosa estava ainda mais velha, mais franzina, com acentuadas rugas reveladoras das dificuldades enfrentadas para superar os desafios diários.
Sentaram-se no cepo da árvore encostado na parede e teceram prosa animada, até que a tia se levantou para retornar a casa.
Acenou para o vestido em um misto de reverência, admiração e apelo, como se estivesse falando com uma pessoa muito importante:
— “Bendito seja, belo vestido, por me inspirar… sonhei acordada… imaginei-me desfilando pelas ruas da cidade decorada por sua formosura. Eu? Mais bela, mais jovem, mais cheia de vida, estimada pelos conterrâneos…”
A menina bondosa não mais conseguiu esquecer o semblante da doce tia, simultaneamente angustiado e sonhador.
Quedou-se entristecida ao pensar que a tia não iria à festa que tanto desejava.
Movida pela bondade própria de sua natureza amorosa, recolheu o vestido suspenso no varal, guardou-o com delicadeza numa sacola e seguiu decidida a cumprir o que sugeria o seu coração.
Andou léguas sem descanso até chegar à casa da tia. Mal a porta se abriu, sem dizer qualquer palavra, mas com um sorriso estampado nos lábios, a menina entregou à tia o vestido que até há pouco era a causa da sua euforia de menina envaidecida.
Sem entender aquele gesto, a tia tomou a sacola, a abriu e dela retirou o belo vestido que lhe arrancara suspiros na ocasião da visita à sobrinha. Surpresa agradável! Contente, primeiro abraçou o vestido e, em seguida, tomou a menina em seus braços para que ambas rodopiassem animadas e sorridentes.
A menina bondosa regressou a casa satisfeita. Cumpriu um apelo do coração. A alegria da tia sobrepunha-se à sua vontade de ir à festa trajando o vestido novo.
Anoiteceu e os seus familiares se dirigiram ao grande acontecimento: as bodas há tempos aguardadas.
No silêncio de seu quarto, a menina apaziguada elevava-se com o amor desinteressado expresso na prenda oferecida, enquanto na festa, a tia circulava exultante, adornada pelo amor da sobrinha.
Todos olhavam admirados aquela mulher rejuvenescida: mais que um vestido formoso, ali reluzia a bondade da menina, presente ainda que ausente.
… … …
Biografia: Ana Beatriz Carvalho: Escritora brasiliense, Normalista, Professora. Educadora com especialização em Direitos Humanos e mestrado em Políticas Públicas. Sua produção literária reúne contos, microcontos, cartas, crônicas, haicais, poemas e prosas poéticas. Vários de seus trabalhos foram selecionados para Antologias e Coletâneas. É membro das seguintes academias literárias: ALMUB/Brasília, AINTE/Fortaleza e ACL/Brasília. Participou da 26ª Bienal Internacional do Livro de SP e da Bienal do Rio 2023 como autora.. Idealizadora do Projeto Leitura que Liberta: seja Doador de um Livro, Projeto Mulher Feliz, Mulheres que apoiam Mulheres e co-autora do Projeto Leitura no Bosque. Premiada na categoria Melhor Biografia – I Prêmio Sapiens de Literatura Brasileira pela Editora Holandas. Autora dos livros Contos de uma Mulher Feliz: viver para crer que tudo é bom, belo e necessário e Viva a Vida!
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Elenir Alves é formada em Publicidade e Marketing. Editora-chefe da Revista Projeto AutoEstima e Assessora de Imprensa da Revista Conexão Literatura. Foi coeditora, juntamente de Ademir Pascale, do extinto fanzine TerrorZine – Minicontos de Terror. Foi coautora de diversos livros, entre eles “Draculea – o Livro Secreto dos Vampiros”, “Metamorfose – A Fúria dos Lobisomens” e “Zumbis – Quem disse que eles estão mortos?”, nas horas vagas adora escrever poemas e frases inspiradoras.
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