Três primos em férias. Como esperaram por aqueles dias!
A casa da avó era o destino. Lá tinham do aconchego de uma casa humilde ao carinho familiar reforçado.
Cada um morador de uma cidade distinta no Brasil.
Regiões distantes, mas a separação geográfica só conseguia afastá-los fisicamente, porque estavam ligados uns aos outros, entre si, por laços de amizade que se fortaleciam dia a dia, há 17, 16 e 15 anos, conforme as respectivas idades dos primos.
Durante todo o ano, imaginavam uma programação repleta de aventuras para o encontro habitual. Como é próprio da adolescência, acreditavam na imortalidade da sua condição presente e, alcançando o paroxismo do vigor juvenil, estavam convictos de poder realizar tudo o que desejassem.
Sempre adotavam um lema para os seus dias de descanso no período de férias.
Naquele ano, escolheram: “É hoje!”
A expressão “É hoje” indicava que procurariam fazer tudo e mais um pouco nos dias de aventuras que firmaram no calendário de férias daquele ano.
O encontro foi efusivo. Os amigos se abraçaram demoradamente, com lágrimas nos olhos, sem que permitissem ser traídos em seus respectivos orgulhos por aquela emoção sincera. Afinal eram homens! E como tais, a expressão de afetos não combinava muito com o gênero. Puro engano. Mais tarde, na vida, reconheceriam que aquele momento foi sagrado por pulsar o mais íntimo e profundo de cada um com a força do bem-querer, próprio e mútuo.
Já haviam decidido que, no rol das aventuras daquele ano, iriam acampar na praia.
Escolheram o destino com muita dedicação. Desejavam uma experiência inesquecível.
Chegado o dia, partiram em direção à tão ansiada praia. Levaram consigo tudo o que julgavam necessário para o cumprimento do roteiro idealizado com muita precisão.
Alcançado o local pretendido, logo montaram a barraca. Embora simples, o abrigo daquela aventura tinha aspecto de casa nova vocacionada a se transformar no lar litorâneo dos primos.
O Sol era escaldante e os efeitos saáricos daquelas areias consumiam a resistência dos meninos.
Quando regressaram à barraca após o longo dia de passeio, descobriram atônitos a impossibilidade de permanência em seu interior. Uma fornalha!
Decidiram, então, dormir do lado de fora, convictos de que solução mais apropriada para a circunstância não se lhes ocorreria. Todavia, o assédio inclemente de pernilongos que os desejavam como repasto os manteve em sentinela. Longa noite…
Mais desejada do que o habitual, a aurora lhes trouxe novo ânimo, recarregando a esperança de um dia melhor do que o anterior.
O café da manhã limitou-se a um iogurte para cada um dos meninos. Além de desvalido, o desjejum estava quente e com o sabor alterado por força da falta da bolsa térmica que lhe proveria a refrigeração, esquecimento que acometeu os primos na urgência dos preparatórios de viagem.
Desolados com a primeira adversidade a seguir à noite sem sono, vagaram pela bela paisagem praiana e sentiram fome.
Afinal, era tempo de cozinhar ao ar livre. Que emoção! Se por um lado faltava refrigerador que condicionasse os alimentos, por outro, havia um fogão a gás que tomaram de empréstimo aos tios.
A tentativa restou frustrada. A voracidade do vento litorâneo não concedia vitalidade ao fogo.
Um dos primos teve a ideia de cavar um buraco na areia e de pôr o pequeno fogão no interior da cova. Aprendera a técnica com o irmão ingressado há pouco no serviço militar. Gabou-se: “serei a nossa salvação”.
Debalde. O mar chegou apressado e converteu a comida em lama.
Olharam-se desanimados e deitaram-se na areia quente, esperando alguma iluminação, intuição ou uma providência superveniente.
Em um ímpeto de saudade, de confiança e de união de alma, um dos primos mentalizou a sua mãe, companheira de todas as horas, desde sempre provedora sensata de todas as suas necessidades.
Rememorou compungido ser a mãe o seu constante amparo. Muitas vezes, sem que ele esperasse ou sem que verbalizasse a petição, ela se lhe apresentava como uma estrada dourada, iluminada e com o encaminhamento certo para o equilíbrio da situação. Era a providência divina em formato humano.
Lágrimas romperam o dique dos seus olhos cansados. Naquele momento de profunda reflexão do menino, o halo que unia filho e mãe se fortaleceu. Conversando com a genitora em pensamento, considerou: “não sou imortal, não sou capaz de tudo, a vida tem os seus enredos nem sempre coincidentes com os meus. Os meus objetivos e sonhos se subordinam a outros fatores e condicionam as minhas ações e intenções. Mãe, me ajuda… ouve o meu coração…”
Longe dali a mãe daquele jovem aflito escutou o filho, sentindo-o sussurrando ao seu ouvido, e ao pé do fogão imaginou que poderia providenciar marmitas para os adolescentes aventureiros. Rejubilou-se com intuição própria de mãe zelosa…

… … …

Biografia: Ana Beatriz Carvalho: Escritora brasiliense, Normalista, Professora. Educadora com especialização em Direitos Humanos e mestrado em Políticas Públicas. Sua produção literária reúne contos, microcontos, cartas, crônicas, haicais, poemas e prosas poéticas. Vários de seus trabalhos foram selecionados para Antologias e Coletâneas. É membro das seguintes academias literárias: ALMUB/Brasília, AINTE/Fortaleza e ACL/Brasília. Participou da 26ª Bienal Internacional do Livro de SP e da Bienal do Rio 2023 como autora.. Idealizadora do Projeto Leitura que Liberta: seja Doador de um Livro, Projeto Mulher Feliz, Mulheres que apoiam Mulheres e co-autora do Projeto Leitura no Bosque. Premiada na categoria Melhor Biografia – I Prêmio Sapiens de Literatura Brasileira pela Editora Holandas. Autora dos livros Contos de uma Mulher Feliz: viver para crer que tudo é bom, belo e necessário e Viva a Vida!

LEIA MAIS TEXTOS DO(A) AUTOR(A): CLIQUE AQUI

Compartilhe :)

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *